Com o aproximar da hora do grande "derby" o nervosismo e a ansiedade aumentam, os "comentadeiros" fervilham e caem algumas máscaras, ao mesmo tempo que se assiste ao desfile de recordações de uma rivalidade centenária de confrontos que já muitas vezes foram decisivos.
A primeira vez que o título de Campeão Nacional de Futebol se decidiu num jogo entre Sporting e Benfica foi na época de 1940/41, quando os dois velhos rivais se defrontaram no Stadium de Lisboa a quatro jornadas do fim do Campeonato, numa altura em que o Sporting liderava com 3 pontos de vantagem, pelo que essa vitória por 4-2 praticamente selou aquele que foi o primeiro Campeonato Nacional conquistado pelos Leões no modelo de poule.
Daí para a frente foram inúmeros os episódios desta briga. Em 1942/43 foi o Benfica que ao ganhar por 2-1 o "derby" da penúltima jornada, praticamente assegurou o seu segundo Campeonato Nacional, mas na época seguinte o Sporting fez mesmo a festa com uma vitória por 1-0 sobre os encarnados, que lhe garantiu o seu segundo Campeonato Nacional.
Gravado em letras de ouro na história destes confrontos ficará para sempre o "poker" de Peyroteo, que permitiu ao Sporting ganhar o campeonato de 1947/48, que ficou conhecido como o do "pirulito" por ter ficado decidido pela diferença de apenas um golo nos confrontos diretos (3-1 no Lumiar, contra 4-1 na Estância), isto no tempo em que estes campos ficavam mesmo lado a lado, pois o Benfica jogava num campo que tinha sido do Sporting.
Em 1951/52 o "derby" do Jamor era decisivo para o Sporting, que estava a 4 pontos do Benfica, embora com menos um jogo. As vitórias dos Leões nesse jogo por 3-2 e depois na Covilhã, deixaram tudo empatado, mas no sprint final o Sporting foi mais forte conquistando aquele que até hoje é o seu último bicampeonato que se transformaria em "tetra", pelo que a verdade é que desde 1954, portanto há 71 anos, que o Sporting não ganha dois Campeonatos seguidos.
Até aqui como se vê a vantagem nestes momentos decisivos pendia para o Sporting por 4-1, mas em 1959/60 disputou-se um "derby" que seria determinante, não só para atribuição do titulo de Campeão dessa época, como também para a viragem que se deu nessa altura no panorama do futebol português.
Com o desaparecimento dos Violinos o Sporting entrara numa fase de renovação e o Presidente Brás Medeiros, inspirado no modelo do Real Madrid, resolveu apostar na formação de uma grande equipa constituída à volta de dois ou três estrangeiros de categoria internacional. Chegaram então Juan Seminário e Fernando Puglia. Apesar de alguma instabilidade à volta de um treinador jovem e com uma "chicotada psicológica" e tudo, o Sporting chegou à antepenúltima jornada do campeonato a apenas 1 ponto do Benfica, mas uma tarde negra do guarda redes Octávio de Sá deitou tudo a perder e a equipa foi derrotada por 4-3, um desfecho que teve como consequência a queda do Presidente leonino cuja a sucessão não foi muito feliz. Este resultado permitiu ao Benfica participar na Taça dos Campeões Europeus da época seguinte, um troféu que viria a ganhar e que lançaria aquele clube para um período glorioso que lhe permitiria a conquista de 14 títulos em 18 épocas, para o qual também muito contribuiu o facto de Eusébio ter acabado no Benfica, em vez de vir para o Sporting, naquilo que de certa forma também foi um "derby" decisivo.
Dai para a frente a história mudou. Em 1967/68 o Campeonato voltou a decidir-se na antepenúltima jornada entre os dois velhos rivais, com o Benfica a ganhar por 1-0. Em 1970/71 o Sporting chegou a ter 6 pontos de vantagem sobre o Benfica e parecia caminhar para o bi, mas no início da 2ª volta foi goleado na Luz e acabou por se deixar ultrapassar. Não foi aí que o Benfica ganhou esse Campeonato, mas foi aí que o Sporting perdeu a oportunidade de praticamente arrumar a questão.
Em 1976/77 a história repetiu-se. O Sporting de Hagan fez uma grande 1ª volta, mas na viragem do Campeonato perdeu por 1-0 na Luz e morreu aí, terminando a 9 pontos do seu rival.
As exceções neste período aconteceram nas épocas 1979/80 e 1981/82. Primeiro num Campeonato disputado a três, em que o Sporting despachou o Benfica com uma vitória por 3-1 a seis jornadas do fim, ficando apenas na luta com o FC Porto. Um cenário que se repetiu dois anos depois, exatamente com o mesmo resultado, quando Jordão arrumou o Benfica com um "hat-trick" que deixou os encarnados a 7 pontos dos Leões, a 7 jornadas do fim, pelo que um resultado contrário poderia ter reaberto a corrida pelo título.
Entrámos no período das grandes secas de um Sporting que deixou de contar para o totobola e só em 1993/94 é que os Leões voltaram a sonhar com a conquista do Campeonato, mas acabaram a lamentar a grande noite de João Pinto nos históricos 6-3 de Alvalade.
Pelo meio ainda houve tempo para o Benfica estragar a festa ao Sporting por duas vezes em Alvalade, primeiro ao ganhar por 5-3 em 1974, adiando para a última jornada a festa do título e depois em 2000 com um golo de Sabry mesmo à beira do fim, prolongando por uma semana um jejum que já durava há 18 anos.
Finalmente chegámos a dois "derbys" que tal como o de 1959/60 foram determinantes não apenas para a definição do Campeão, mas também para o que veio a seguir: primeiro em 2004/05 com a derrota do Sporting na Luz com o polémico golo de Luisão, que transformou o Benfica de Trapattoni no mais pobre campeão de que há memória. Este título quebrou um jejum de 11 anos e permitiu a Luís Filipe Vieira, que na altura ainda era visto como o Presidente do Alverca, arrancar para um consulado que durou 18 anos "daquilo", ao mesmo tempo que fragilizou Dias da Cunha que acabou por se demitir quando foi apertado à saída do Estádio José Alvalade pela horda do costume, que exigia o despedimento de José Peseiro. Essa infeliz decisão colocou o Sporting nas mãos de Ricciardi, com os resultados que se conhecem. Como tudo poderia ter sido diferente na vida destes dois clubes sem o "campeonato paraty".
Em 2015/16 a tragédia voltou a abater-se sobre Alvalade quando o Sporting perdeu um "derby" decisivo, marcado por um inacreditável falhanço de Bryan Ruiz, que mais do que ter determinado o campeão daquela época, trouxe grande instabilidade ao Sporting que se afundou na insanidade mental de Bruno de Carvalho, que se tivesse ganho o Campeonato nessa temporada se calhar ainda hoje seria Presidente do Sporting, com tudo o que isso implicaria. Ás vezes há males que vem por bem e se calhar foi aí que a história começou a mudar, uma inversão que teve os seus primeiros sinais na época passada, quando Geny Catamo deu uma vitória ao Sporting num jogo decisivo frente ao seu velho rival, algo que já não acontecia desde Março de 1982.
Amanhã é dia de confirmar que o mau fado leonino nestes jogos com o Benfica é coisa do passado e assegurar a entrada numa nova fase virtuosa de um Clube muitas vezes mal tratado por uma espécie de destino maldito, empurrando essa maldição para o outro lado.
81 anos e quase 2 meses depois do dia 19 de Março de 1944, o Sporting pode voltar a ser Campeão num "derby", o que até aos nossos dias só aconteceu uma vez, mas também pode ser a desforra do Benfica desse já longínquo feito único de Peyroteo e companhia. Tem a palavra Gyokeres...e companhia.
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