Duas visões diferentes

A terceira década do século XX ficou assinalada pela coabitação de dois dirigentes marcantes na vida do Sporting, mas que tinham visões muito diferentes em relação ás políticas a adotar pelo Clube, embora tenham sido companheiros em algumas Direções e numa Comissão Administrativa.

Júlio de Araújo era um homem dinâmico e progressista, que considerava que o Sporting entrara num marasmo necessitando de uma orientação diferente. Assim delineou um programa de trabalhos que previa elaboração de novos estatutos e a expansão do Clube para fora de Lisboa, com a criação da categoria dos sócios correspondentes e o arranque do movimento das Filiais e Delegações, que foram fundamentais para tornar o Sporting num Clube de implantação nacional.

Foi também Júlio de Araújo que aproveitando uma ideia de José Serrano e Mendes Leal, criou o Boletim do Sporting, precursor do Jornal Sporting, numa altura em que os Sportinguistas já se consideravam tratados de forma desigual por uma imprensa que geralmente tendia para o clube mais popular de Lisboa.

Júlio de Araújo também defendia que deveria ser estabelecido um limite máximo de 3 mil sócios, por considerar que assim os fidelizaria e selecionaria, até porque planeava fazer um empréstimo interno, que tinha como meta os 600 contos, ou seja, uma média de 200 escudos por sócio, para assim financiar aquele que era o seu grande objetivo, a construção de um novo Estádio, que considerava fundamental devido à degradação da Estância de Madeira e aos elevados custos da sua manutenção, tendo então criado o Agrupamento Leonino, composto por sócios com bons serviços prestados ao Clube e onde foi desenhado e discutido um ante-projecto das futuras instalações.

No entanto este plano esbarrou perante as dificuldades nas negociações com a família Pinto da Cunha para aquisição dos terrenos onde o Sporting estava instalado e sucumbiu quando Júlio de Araújo foi acusado de ter depositado em contas próprias dinheiro do empréstimo interno, uma imprudência que o próprio reconheceu como tal, embora garantindo que nunca o fizera com intenções de utilizar esse dinheiro em seu beneficio.

Terminou ali o percurso de Júlio de Araújo enquanto dirigente do Sporting e pouco tempo depois ele foi para o Brasil, mas nunca esqueceu o Clube e anos mais tarde a sua memória e os documentos que tinha guardado, foram determinantes para a elaboração da obra "História e Vida do Sporting Clube de Portugal".


Do outro lado estava Salazar Carreira, um dirigente austero e conservador, mas também um desportista eclético que envergou a camisola do Sporting durante 25 anos, o que lhe valeu uma medalha única, "Um quarto de século de actividade atlética". Médico de profissão era um homem viajado para a época e deve-se a ele a introdução no Sporting e em Portugal de modalidades como o Râguebi, o Voleibol e o Andebol (na altura de 11), embora tenha sido no Atletismo que se destacou, como praticante e várias vezes Campeão e como treinador, devendo-se a ele a vinda para o Sporting de Moniz Pereira que era seu vizinho e a quem deixou o seu espólio literário e documental, para além da herança dos valores e tradições leoninas, que também deixou plasmados em "Os dez mandamentos do Sportinguista".

Em oposição aos ambiciosos projetos de Júlio de AraújoSalazar Carreira defendia que o Clube antes de se balancear para um tamanho empreendimento, teria primeiro de garantir os financiamentos necessários para o mesmo, pelo que mais tarde criou um Fundo de Reserva para o efeito. Assim quando chegou à Presidência do Sporting afirmou que as únicas coisas de concreto que tinha herdado, eram: um plano de empréstimo, negociações para a compra de um terreno e conversações com um vereador da Câmara. Tudo o resto eram sonhos sem sustentabilidade financeira. 

A sua ligação ao dirigismo leonino viria a terminar quando foi nomeado pelo Governo, Inspetor Geral dos Desportos, cargo que desempenhou até quase aos 70 anos de idade, sendo ele o ideólogo da política desportiva do Estado Novo.

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