Como não dar razão ao Sporting, dando-a

Finalmente a Comissão Independente de Análise aos Títulos Nacionais criada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) em 2018 e que terá iniciado os seus trabalhos em Março do ano seguinte, apresentou as conclusões dos mesmos, traduzidas em dois pareceres que não sendo coincidentes nas suas recomendações finais, tem alguns pontos em comum.

Em primeiro lugar qualquer um destes estudos reconhece, como não poderia deixar de ser, que os Campeonatos de Portugal eram a principal competição do nosso país e que naquele tempo atribuíam o título de Campeão Nacional de Futebol.

Depois, ambos aceitam que os Campeonatos das Ligas foram instituídos em fase experimental e sem caráter definitivo, em 1934, e que só em 1938 foram oficializados enquanto Campeonatos Nacionais. No entanto os dois acabam por defender que estes Campeonatos sejam incluídos nas listas de Campeões Nacionais de Futebol, embora por razões diferentes e associadas a metodologias de contagem também elas divergentes.

Ou seja, estes pareceres dão razão ás exposições apresentadas pelo Sporting, mas não se atrevem a tocar nos quatro Campeonatos das Ligas, pelo que o que aparentemente seria um caso de fácil resolução, tornou-se numa questão complicada que obrigou a alguma imaginação, no sentido de se valorizar acima de tudo o formato das competições em detrimento do que elas representavam na altura.

Seria como se a partir de agora a FPF decidisse que a Taça da Liga passava a ser a prova máxima do calendário futebolístico nacional e daqui a 80 anos nos quisessem convencer que todos os vencedores da Taça da Liga até hoje tinham sido Campeões Nacionais, em vez dos que legitimamente ganharam e festejaram esses títulos desde a época de 2007/08 até hoje.

Em qualquer um dos casos são apresentadas à partida cinco soluções diferentes:

  1. Manter tudo como está.
  2. Equiparar os Campeonatos de Portugal aos Campeonatos Nacionais dando razão ao Sporting.
  3. Manter os Campeonatos das Ligas como Campeonatos Nacionais e considerar os Campeonatos de Portugal como Taças de Portugal.
  4. Equiparar os Campeonatos de Portugal aos Campeonatos Nacionais, mas considerar que entre 1934 e 1938 houve dois Campeões Nacionais, incluindo os vencedores dos Campeonatos das
    Ligas.
  5. Reconhecer os vencedores dos Campeonatos de Portugal até 1934 como Campeões Nacionais e incluir os vencedores desta competição entre 1935 e 1938 na lista de vencedores da Taça de Portugal, mantendo na lista dos campeões nacionais os vencedores dos Campeonatos das Ligas.

Li atentamente as 37 páginas do Parecer 1 onde se reconhece inequivocamente que os vencedores dos Campeonatos de Portugal eram Campeões Nacionais:


Sendo que também se aceita o caráter experimental dos Campeonatos das Ligas:

No entanto logo se acrescenta que todas as competições na sua fase inicial são experimentais, dando como exemplo, também ele inequívoco, a primeira edição dos Campeonatos de Portugal que se disputou apenas entre os Campeões de Lisboa e Porto.

Este parecer vai ainda mais longe quando afirma que não se podem misturar os vencedores dos Campeonatos de Portugal, com os da Taça de Portugal, devido à inexistência desta antes e 1939.

No entanto por paradoxal que pareça na proposta final misturam as últimas quatro edições dos Campeonatos de Portugal com a Taça de Portugal, ao mesmo tempo que consideram as quatro Ligas experimentais como Campeonatos Nacionais, sem que consigam apresentar um único documento que possa sustentar essa tese.

O argumento utilizado é que a verdadeira reforma dos quadros competitivos foi feita em 1934, omitindo que ela só foi oficializada em 1938, altura em que mantendo-se o formato das competições, mudaram-se apenas os seus nomes, precisamente para alterar a hierarquia das mesmas, porque "o titulo de Campeão Nacional ficava melhor a uma prova com o formato utilizado nos Campeonatos das Ligas". Ou seja, a partir dali passou a haver uma prova denominada Campeonato Nacional e o Campeonato de Portugal foi rebaixado a Taça porque deixava de atribuir o titulo de Campeão Nacional.

Assim nas suas conclusões este parecer afirma coisas como:



ou:


Para depois propor:


Uma óbvia contradição apenas sustentada num artigo escrito pelo jornalista Ricardo Ornelas e na perceção de que esse era o entendimento dos dirigentes da FPF na altura, o que não está documentado em lado nenhum.


Quanto ao Parecer 2 devo confessar que não o li na integra pois são mais de 500 páginas com muita palha e algumas exibições de erudição, mas deu para perceber o essencial e há que reconhecer que pelo menos houve muito trabalho de investigação tal é o desfile de citações da imprensa da época em questão, mas no fundo este estudo vai dando uma no cravo e outra na ferradura, alternado a sustentação das hipóteses apresentadas nas soluções 2 e 3.


No entanto como é óbvio não conseguem negar o inegável e assim pode-se ler neste trabalho o seguinte:



Ou:

 E mais à frente:


Reconhecendo-se ainda que foi em 1938 que se oficializou a alteração


Mas, ao mesmo tempo que se reconhece tudo isto, também se encontram argumentos contrários noutras publicações e é aqui que chegamos ao ponto que explica toda a controvérsia desta questão, quando se refere que em 1935 o jornal Norte Desportivo caracterizava o Campeonato da I Liga como "a mais valiosa competição do futebol nacional", isto na sequência da vitória do FC Porto na primeira edição da referida prova. No entanto logo a seguir verifica-se que dois anos depois, o mesmo jornal já considerava o Campeonato de Portugal como "a prova máxima", pois o FC Porto fora o seu vencedor, enquanto o Benfica voltara a ganhar o Campeonato da Liga. Ou seja, era conforme o que convinha. 

De resto ao longo dos tempos foi sempre assim, com a imprensa ligada ao Benfica, com o jornal A Bola de Ribeiro dos Reis à cabeça, na defesa dos Campeonatos das Ligas, enquanto o Boletim Sporting, mais tarde Jornal Sporting, era quase o único a defender a verdade histórica dos factos, mesmo que o Record a determinada altura tenha optado por não considerar os Campeonatos das Ligas como títulos nacionais e só muito raramente e já há muitos anos, algumas publicações tenham misturado os Campeonatos de Portugal com as Taças de Portugal.

E é aqui portanto que está o cerne da questão. O Benfica defende que os títulos dos Campeonatos das Ligas devem ser contabilizados como títulos nacionais porque ganhou esta prova por três vezes, enquanto o Sporting que não ganhou nenhum destes Campeonatos, defende que devem ser contabilizados os Campeonatos de Portugal. Já o FC Porto era conforme calhava e agora nem parece muito interessado nesta matéria.

Entretanto a FPF admitiu a inclusão de um terceiro parecer encomendado pelo Sporting, mas obviamente que de nada irá servir, pois quem vai decidir são os delegados das Associações de Futebol e das diversas Associações de classes que tem assento na AG da FPF, gente que provavelmente pouco ou nada sabe sobre este assunto e que se limitará a votar de acordo com o que for estabelecido, sendo que todos sabemos qual é o Clube com mais influências nestes meandros, portanto não tenho grandes dúvidas de que o Parecer 2 será o adotado e diga-se que na verdade até faz mais sentido do que o 1 que é uma verdadeira salseirada. Mas a pergunta que se deveria colocar a esta gente, é o que é que deve prevalecer, o formato das competições ou, o espírito com que foram vividas na época em que se realizaram?

No entanto independentemente do que for decidido nunca ninguém poderá negar que no dia 26 de Junho de 1938 quando terminou a última edição dos Campeonatos de Portugal com a vitória do Sporting sobre o Benfica por 3-1, e depois de ter sido entregue ao capitão encarnado o troféu referente à conquista do Campeonato da I Liga dessa temporada, foi Adolfo Mourão quem subiu à tribuna do Estádio de Lisboa  para receber a Taça Portugal, troféu que até esse dia consagrava o Campeão Nacional de Futebol do nosso país, e aí a festa foi verde e branca. E essa ninguém a vai poder tirar aos Sportinguistas que a viveram.

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