Os Anos Alvalade


José Alvalade foi um visionário, um homem adiantado no seu tempo e que tinha uma grande paixão pelo desporto, embora nunca tenha sido dotado de talentos que lhe permitissem ser um praticante exímio em nenhuma das modalidades a que se dedicou.

Jovem, distinto, elegante e culto, José Alfredo era aquilo que na época se chamava um “sportsman”, isto numa altura em que a prática desportiva representava um elemento distintivo de uma posição social.

Homem moderno e atento às novidades do pensamento europeu, José Alvalade conhecia os movimentos que realçavam a importância da higiene e da prática do exercício físico para a saúde e condição física e moral dos indivíduos, pelo que defendia o incremento da atividade desportiva no nosso País, até como forma de resolução do problema do avigoramento da raça portuguesa que se discutia naquele tempo.

Já toda a gente está farta de conhecer a a história da cisão do Campo Grande FC, que José Alvalade defendia que se dedicasse essencialmente à prática do desporto e a célebre tirada por ele proferida no dia 13 de Abril de 1906, quando prometeu que iria fazer um novo Clube com a ajuda do dinheiro do seu avô, um homem rico e incapaz de dizer não ao seu neto preferido.


Dito e feito, pouco tempo depois José Gavazzo, outro dos fundadores do Sporting,  informava por carta o seu irmão Frederico, ausente em Paris, dos avanços do novo Clube que já tinha marcados os 10 sócios fundadores principais que mandariam em tudo, havendo também uma lista negra de quem não poderia ser aceite como associado, para afastar os "festeiros" do Campo Grande FC.

Nessa altura foram estabelecidas as primeiras regras clubísticas que só um ano depois seriam oficializadas sob forma de “estatutos” com o toque jurídico do Visconde, sendo que logo no artigo 1º se lia:

Sporting Club de Portugal é o título d'uma associação composta d'individuos d'ambos os sexos de boa sociedade e conducta irreprehensivel.

Era portanto evidente a natureza elitista do Clube e dos seus fundadores, tudo gente de famílias da alta burguesia endinheirada, mas a prática desportiva foi desde logo definida como a prioridade da nova associação, como se pode inferir do artigo 2º:

Tem principalmente por fim a educação physica dos sócios e dos seus filhos e tutelados por meio de exercícios de gynastica hygienica ao ar livre e poderá igualmente dedicar-se à gymnastica applicada, à esgrima, à equitação, à natação, aos jogos athleticos, aos exercícios de remo e de tiro e a outros destinados ao desenvolvimento e conservação das forças musculares.

Sendo assim e porque o desporto é para todos e como os melhores praticantes não são necessariamente desta, ou daquela classe, e também porque nenhum Clube vinga sem os atletas mais talentosos, isto sem esquecer que o Sporting almejava obter o estatuto de “associação de utilidade pública”, o artigo 3º prometia:

…esforços para organizar cursos práticos gratuitos destinados à frequência de individuos que por sua posição social não estejam nas condições de ser inscritos sócios cooperando por esta forma para a resolução do utilissimo problema do avigoramento da raça portuguesa e pelo auxílio que se propõem a prestar no limite dos seus meios ao bem das classes desprotegidas, o Sporting Club de Portugal é uma perfeita associação de utilidade pública.

E na verdade pouco tempo depois o Sporting foi aderindo a modalidades populares como o futebol e o ciclismo, que se juntaram ao ténis, aos desportos atléticos (atletismo), à ginástica e ao críquete, que tinham sido as primeiras praticadas no Clube, embora as suas equipas e os seus atletas fossem geralmente recebidos com alguma animosidade em todos os campos de Lisboa, por serem olhados como o clube dos ricos, em oposição á popularidade do Sport Lisboa resultante do facto deste grupo ser formado por alguns antigos alunos da Casa Pia que tinham sido a primeira equipa a derrotar os até aí invencíveis ingleses do Carcavelos Club, o que não impediu que o Sporting vingasse e crescesse, porque na verdade era servido por gente distinta em termos morais e intelectuais e assim em 1915 o Clube já contava com cerca de 300 sócios.

O Sporting nasceu em berço de ouro graças à boa vontade do Visconde de Alvalade que cedeu terrenos da sua quinta para a edificação da obra projetada pelo seu neto, que estava orçada em 550 mil reis (uma fortuna para a época), em grande parte adiantados pelo Visconde, mas também com a participação dos 10 sócios fundadores principais (10 mil reis cada) e das cotas dos 36 sócios iniciais que rendiam à volta de 15 mil reis por mês, o que aparentemente não foi suficiente, pois consta que José Alvalade chegou mesmo a empenhar joias para ajudar a concretizar o seu sonho de tornar o Sporting num clube que ele desejava que "ficasse semelhante aos clubes estrangeiros e que não envergonhasse o nosso País", que segundo o historiador Luís Costa Dias terá sido a verdadeira frase por ele escrita numa carta enviada a Francisco Gavazzo, onde anunciava a intenção de ir a Paris para se inteirar da organização dos grandes clubes franceses.

Assim, um ano depois da sua fundação o Sporting Clube de Portugal tinha as melhores instalações desportivas de Lisboa e distinguia-se de todos os outros pela fidalguia e requinte com que sabia receber na sua bem equipada sede, cujas instalações eram descritas numa noticia da época como  “um elegante chalet  instalado com todo o conforto obedecendo às exigência da higiene moderna com amplos quartos de banho, magníficos lavatórios , salas de vestir, salas de leitura e uma ampla sala para receções e lanches servida por uma cozinha, ou copa, onde os jogadores podiam servir-se de ligeiras refeições e os convivas tinham o ensejo de tomarem o chá das 5”, isto para além da parte desportiva com dois cortes de ténis, um campo de futebol, que foi o primeiro em Lisboa  a receber o beneficio do nivelamento, o campo de críquete e uma zona de expansão que se planeava que viesse a ter stand tiro aos pombos, picadeiro, pista para hipismo e pistas para saltos e corridas.

Estas instalações atraíram desportistas de outros clubes, como o Cruz Negra que viria a desaparecer e o Sport Lisboa, que em 1907 cessou atividade precisamente por falta de condições para os seus atletas que eram na sua maioria gente de boas famílias, que não viam com agrado o facto deles andarem a trocar de roupa debaixo de árvores. Foi assim que chegaram ao Sporting homens como os irmãos
Catatau, considerados dos melhores jogadores de futebol da época, Augusto de Freitas um dos melhores guarda redes que depois que foi o sócio nº 1 do Clube durante muito tempo, Januário Barreto, um distinto médico que o Benfica considera ter sido o seu primeiro Presidente e que terá sido o primeiro Presidente do Conselho Fiscal do Sporting, António Couto, um arquiteto que prestou relevantes serviços ao Sporting e principalmente Daniel Queirós dos Santos que viria a assumir um papel relevante no período que se seguiu aos primeiros anos da existência do Clube, nos quais mesmo não sendo sempre Presidente, era José Alvalade quem comandava tudo.

Comentários