O eterno capitão


Ainda tenho uma vaga memória da primeira vez que fui ao futebol. Tinha 8 anos e o meu pai depois do almoço, disse à minha mãe
: "Hoje o António vai comigo á bola, vamos ver o Yazalde".  Do jogo só me lembro de uma coisa, nunca tinha visto tanta gente junta.

Daí para a frente passei a ir ver o nosso Lusitânia e a ouvir os relatos dos jogos do continente ao domingo, pois na altura não havia televisão nos Açores, e mesmo que houvesse não haviam transmissões televisivas, era só o Teledesporto à noite que para mim só começou em 1975. O Yazalde foi pois o meu primeiro ídolo, mas nunca o vi jogar.

Com o 25 de Abril chegou também o fim da lei da opção e foi aí que eu percebi que os jogadores eram profissionais de futebol e portanto iam para onde lhes pagassem melhor. No final da época 1974/75 o Dinis e o Carlos Alhinho foram para o FC Porto, mas o Manaca, o Carlos Pereira e o Vagner também não renovam os seus contratos e pior do que tudo, o Yazalde foi para França. Estava destruída a equipa que tinha conquistado a dobradinha em 1973/74.

Nessa altura o Sporting contratou uma serie de jogadores entre eles o extremo direito da CUF, um tal de Manuel Fernandes que estava para ir para o Porto, mas que acabou por vir para Alvalade e que logo na sua primeira época de Leão ao peito marcou 32 golos, em 38 jogos, estava encontrado o meu novo ídolo, depois de uma temporada horrível em que o Sporting pela primeira vez não conseguiu qualificar-se para as competições europeias.

No decorrer da época de 1978/79 João Rocha estabeleceu um polémico acordo com o Tea Men que previa a partida imediata de Artur e Salif Keita para os Estados Unidos, enquanto Manuel Fernandes e Jordão iriam no defeso, esta segunda parte não se concretizou porque o Federação não deixou, mas depois da partida de Salif Keita, o treinador jugoslavo Milorad Pavic resolveu entregar a braçadeira de capitão ao Manuel Fernandes e penso que ele terá sido o jogador do Sporting que mais vezes a envergou.

O resto toda a gente já sabe, foram 12 temporadas ao serviço do Sporting, nas quais realizou 447 jogos oficiais e marcou 265 golos, sendo o 2º maior goleador de sempre do clube, apenas superado por Peyroteo, o 2º no Campeonato com os mesmos golos do que Vasques e atrás de Peyroteo, e o 2º nas competições europeias, com os mesmos 18 golos que Lourenço, marca mais tarde ultrapassada por Liedson.

Foi o melhor marcador do Campeonato Nacional de 1985/86 com 30 golos e conquistou dois Campeonatos Nacionais, duas Taças de Portugal e uma Supertaça, formando com Jordão uma das mais temíveis duplas de pontas-de-lança da história do futebol português, que primeiro com Salif Keita e mais tarde com António Oliveira, constituíram linhas avançadas verdadeiramente demolidoras e inesquecíveis. 

No dia 24 de Agosto de 1985 entrei pela primeira vez no Estádio José Alvalade, uma verdadeira aventura para um rapaz de 21 anos que nunca tinha saído dos Açores e estava sozinho em Lisboa e na minha estreia fui premiado com 5 golos do Manel. Nessa época não perdi um jogo em Alvalade e na seguinte falhei um e ainda não me perdoo por ter vindo passar o Natal a casa mais cedo, perdendo assim a possibilidade de assistir ao vivo aos famosos 7-1, que só vi na transmissão em diferido que ainda tenho gravada em VHF, provavelmente inutilizada.

No decorrer dessa temporada chegou ao Sporting o treinador inglês Keith Burkinshaw que resolveu dispensar o Manel, impedindo-o de terminar a sua brilhante carreira no Clube que sempre defendera com tanto brilhantismo e dedicação, ao ponto de ter rejeitado propostas irrecusáveis para ir para o Benfica, ao contrário de outros como João LaranjeiraBotelhoInácio ou Paulo Futre que foram tratar da sua vida para outros lados onde lhes pagavam mais.

Depois dele acho que não tive mais ídolos, com o avançar da idade isso passa, embora tenha admirado muito outros jogadores como o Jordão, o Oceano, o Balakov, o Bruno Fernandes e principalmente o Cristiano Ronaldo, não pelo que fez no Sporting, mas pelo que fez no mundo do futebol, sendo um produto da formação leonina, o que muito custa a engolir a alguns.

Na seleção Manuel Fernandes também foi prejudicado por ser do Sporting, porque nessa altura tal como agora, quem usa a verde e branca tem de fazer muito mais do que os seus colegas dos clubes rivais para chegar á equipa nacional e foi assim que o Manel foi excluído do lote dos selecionados para o Europeu de 1984 e para o Mundial de 1986. Apesar de tamanha injustiça não hesitou em voltar á seleção depois de Saltilho, quando todos os jogadores que tinham estado no México foram suspensos. Era assim o Manuel Fernandes.

Depois de sair do Sporting foi para Setúbal onde iniciou a sua carreira de treinador que não atingiu o nível da que tinha tido como jogador, mas ainda deu para ganhar uma Supertaça no Sporting e conseguir cinco subidas de divisão, duas das quais, para mal dos meus pecados, ao serviço do Santa Clara que levou da 2º B á 1º Liga, numa altura em que o governo de Carlos César resolveu transformar aquele clube micaelense numa bandeira política, mas isso é outra história que para aqui pouco interessa.

Em 2011 Manuel Fernandes regressou ao Sporting como dirigente quando aceitou um ordenado de 20 mil Euros para apoiar a candidatura de Godinho Lopes. Fiquei dececionado porque nessas eleições para mim eram todos menos o engenheiro, mas compreendi. Como é que ele ia rejeitar uma proposta daquelas para regressar ao Clube que sempre amara e a verdade é que se alguém merecia um prémio de carreira no Sporting, era ele.

Dois anos depois pagou caro essa decisão quando foi despedido por Bruno de Carvalho que não contente com isso e podendo apenas justificar a decisão com o facto de querer trabalhar com gente da sua confiança, teve de mostrar o ser carácter vingativo, apelidando-o de "o pior funcionário da história do Sporting". O tempo encarregar-se-ia de o tornar no único presidente do Sporting a ser destituído pelos sócios depois de indecentes e más figuras, colocando-o a ele sim no galarim dos piores da história do nosso Clube.

Apesar disso, dois anos depois Manuel Fernandes aceitou regressar outra vez ao Sporting, agora por indicação do treinador Jorge Jesus que terá convencido o então presidente leonino que afinal o Manel era útil e ele mais uma vez não foi capaz de dizer não e passou a liderar o departamento de scouting.

Depois do ataque a Alcochete e com a entrada da nova Direção Manuel Fernandes passou a ser comentador da Sporting TV, onde continuou a defender a nossa camisola da melhor forma que sabia, até que foi atacado pela doença fatal. Os dirigentes e a nação leonina souberam perceber que era a altura lhe outorgar as merecidas homenagens em vida e encheram-no de justificados mimos, o mais desejado dos quais terá sido seguramente a partilha da conquista do 24º título de Campeão Nacional de Futebol

Deixou-nos no dia 28 de Junho com 73 anos de idade, mas no Sporting conquistou o direito a imortalidade junto aos maiores da história do Clube.

 

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