E o burro sou eu?


Nunca fui um grande entusiasta da seleção nacional, que no tempo em que comecei a gostar de futebol era uma extensão do Benfica, pelo que qualquer coxo que jogasse naquele clube facilmente se tornava internacional, enquanto do Sporting só mesmo os melhores é que lá chegavam. Lembro-me perfeitamente de acompanhar os relatos da Minicopa do Brasil, onde Portugal era o Benfica reforçado por Fernando Peres e Dinis. Nessa altura até o José Henrique jogava no lugar do Vítor Damas, imagine-se. Esse era o tempo em que nunca éramos apurados para as fases finais das grandes competições, onde tínhamos de adotar outra seleção qualquer, que no caso dos portugueses geralmente era o Brasil, uma opção que eu também nunca partilhei.

Foi Carlos Queirós quem inverteu esse passado triste das nossas seleções, com um trabalho notável nas camadas jovens que mudou a mentalidade do Portugal dos pequeninos, mas seria Scolari a fazer-me aderir ao "clube" Portugal, pois sendo estrangeiro estava-se a borrifar para as guerras de influências entre Porto e Benfica e foi com ele e principalmente graças a Cristiano Ronaldo, que finalmente vibrei com a nossa seleção, apesar de posteriormente as convocatórias diplomáticas terem regressado, para premiar jogadores vulgares como por exemplo André Almeida ou, o nosso Rúben Amorim, mas era obrigatório ter sempre um representante do Benfica, mesmo quando eles quase não tinham portugueses no plantel. 

Foi assim com Carlos Queirós, com Paulo Bento e assim continuou a ser com Fernando Santos, mas foi com este último que Portugal conseguiu ser Campeão da Europa, no entanto o futebol medroso das seleções do engenheiro nunca entusiasmou ninguém, de tal forma que o cântico que os portugueses entoavam em Paris era uma elegia ao mau futebol de que Fernando Santos nunca se conseguiu afastar, mesmo que tenha tido à sua disposição um grupo de jogadores com muita qualidade e habituados a jogar em grandes clubes.

Porém como os resultados é que mandam, Fernando Santos foi passando por entre os pingos das criticas, de tal forma que bem poderia ter recorrido àquela célebre pergunta do seu antecessor: "E burro sou eu?"  Mas a verdade é que jogo após jogo das seleções do engenheiro, a sensação de enfado ia aumentando, porque realmente aquilo sabia sempre a pouco.

No Qatar não só não foi diferente, como chegou a ser pior, com algumas decisões incompreensíveis e explicações mal amanhadas. Ter Bruno Fernandes, que é atualmente o melhor jogador português e que se apresentou em excelente forma, e encostá-lo ao lado direito, ainda por cima quando há jogadores no grupo habituados a esse lugar, é como mandar o Miguel Oliveira para o motocrosse. Ele vai-se safar mas não vai ganhar a prova.

Colocar o Bernardo Silva, que nem sequer está em forma, a jogar a 8, às vezes quase a trinco, é inventar sem necessidade nenhuma, isto já para não falar na insistência em Ruben Neves em detrimento de João Palhinha, ou no desaproveitamento de Matheus Nunes e Rafael Leão, jogadores que trazem coisas diferentes a uma equipa que insiste em jogar sempre da mesma forma. E nesta altura até se poderia falar na súbita mudança de guarda redes, porque o Diogo Costa deu barraca, mas isso já seria jogar ao totobola na 2ª feira.

Depois a gestão de um Cristiano Ronaldo em fim de carreira e que ainda por cima não tinha grande ritmo de jogo, não foi a melhor. O jogo com a Coreia era aquele onde ele tinha de ficar de fora, mas Fernando Santos não teve coragem para tanto e depois perante um desabafo que nem foi nada de extraordinário, sucumbiu às pressões e fez-se forte num momento de fraqueza do seu Capitão. A sorte, ou o azar, foi que o Ramos marcou 3 golos que enganaram toda a gente menos os marroquinos, e lá fomos nós convencidos de que era a jogar daquela maneira que íamos conseguir aquilo que os espanhóis não tinham conseguido em mais de duas horas de infinitas trocas de bola. Estava fabricada a receita perfeita para o insucesso.

Foi para mim um privilégio acompanhar a carreira de Cristiano Ronaldo, que graças a muito esforço e trabalho se tornou num dos 4 ou 5 melhores jogadores da história do futebol mundial, pelo que foi com muita tristeza que o vi abandonar o seu último Campeonato do Mundo em lágrimas, vergado por uma derrota perante uma seleção vulgar como Marrocos, quando no mínimo Portugal poderia e deveria ter chegado às meias finais. Se alguém não merecia sair assim era ele, que apesar de se ter posto a jeito foi apedrejado de uma forma vergonhosa por gente que estava há quase 20 anos a engoli-lo em seco e que agora tiveram finalmente a oportunidade de lhe bater.

E chegados aqui voltamos ao princípio para percebemos qual o maior dos pecados de Cristiano Ronaldo, que é o pecado original de ter sido formado no Sporting, ou antes, de não ter ligações ao Benfica e de até ter conseguido abafar toda e qualquer discussão sobre quem terá sido o melhor futebolista português de todos os tempo, ao elevar-se a um patamar onde só estão Pelé, Maradona, Messi e segundo os mais antigos, Di Stefano. É isso que nunca lhe irão perdoar.

Quanto ao que aí vem, sinceramente parece-me que está na altura de mudar. Já chega do engenheiro e se calhar o melhor para Cristiano Ronaldo será parar. O futebol português não o merece e ele não está a lidar bem com a sua inevitável quebra. No entanto duvido que Fernando Gomes queira ir por aí, mesmo que tenha o Rui Jorge ali à mão de semear. Quanto ao Cristiano Ronaldo, também não me parece que vá desistir, pelo que provavelmente vamos ter mais episódios desta seleção estafada e outras tantas sessões de tiro ao "bicho".

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