O povo sobe ao poder

 

Depois do abandono de João Rocha o Sporting entrou numa fase cinzenta da sua vida, enquanto Benfica e FC Porto viviam momentos de grande fulgor brilhando na Europa, o que naturalmente gerou uma onda de descontentamento entre os Sportinguistas, que levou á demissão da Direção de Amado de Freitas em Abril de 1988, abrindo espaço para a primeira corrida eleitoral a sério da história do Sporting Clube de Portugal.

É verdade que em 1984 Marcelino Brito protagonizara a primeira candidatura de oposição às listas propostas pelo Conselho Leonino, mas nessa altura ninguém o levou muito a sério e João Rocha ganhou essas eleições com uns esmagadores 82,4%, um resultado revelador do conservadorismo dos Sportinguistas pouco abertos à mudança.

Assim, em Junho de 1988, 14 anos depois do 25 de Abril, a democracia chegou finalmente em pleno ao Sporting e sugiram três candidaturas, com o Coronel António Figueiredo a representar a ala tradicionalista do Clube, contando com a oposição de António Simões, um gestor da firma Brás&Brás que acenava com 600 mil contos para investir no futebol e resolver os principais problemas financeiros e de Jorge Gonçalves, o popular "Bigodes", que poucos meses antes tinha trazido Frank Rijkaard para o Sporting, e que agora prometia reforçar fortemente a equipa de futebol, com as chamadas "unhas" para o Leão, que eram os jogadores que  dizia ter comprado a crédito, apresentando uma candidatura de rotura total com o passado, em que se propunha a acabar com o Conselho Leonino.

O povo falou e deu a vitória ao "Bigodes" de uma forma esmagadora com 63,4% dos votos, num ato eleitoral em que marcaram presença mais de 17 mil sócios, números nunca antes vistos numas eleições de um clube português.

Jorge Gonçalves ao hostilizar as elites que sempre tinham dirigido o Sporting, provocou uma irremediável cisão no Clube e, quando a sua aposta na construção de uma grande equipa de futebol falhou, principalmente devido à falta de sustentabilidade financeira do seu projeto, verificou que estava praticamente sozinho, sem ninguém para amparar uma queda inevitável. 

Em Outubro de 1988 realizou-se uma dramática Assembleia-Geral, que foi interrompida depois da intervenção da Policia para pôr termo aos insultos e agressões entre sócios leoninos, com a fação de João Rocha a ser particularmente visada pelos apoiantes da Direção. Esta reunião magna teria ainda mais dois episódios, o primeiro em Fevereiro de 1989, altura em que foram aprovadas as alterações estatutárias que reduziram substancialmente os poderes do Conselho Leonino transformando-o num órgão meramente consultivo e, finalmente em Abril, quando o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Sérgio Abrantes Mendes, convidou Jorge Gonçalves e a sua Direção a demitirem-se por não terem condições para o cumprimento do seu mandato, considerando "um falhanço total" o projeto de mudança iniciado em Junho de 1988.

No dia 16 de Maio aconteceu o inevitável, a Direção e a Mesa da Assembleia-Geral apresentaram os seus pedidos de demissão coletiva, com Jorge Gonçalves a queixar-se de ter sido abandonado por todos, quando se assistia à debandada dos atletas das modalidades de alta competição, devido ao incumprimento dos contratos, uma situação que já se alastrava ao Futebol, numa altura em que até faltava dinheiro para pagar a luz e a água.

De acordo com o que conseguiu apurar o Conselho Fiscal que tomou posse em 1989, durante a Gerência de Jorge Gonçalves os prejuízos de exploração foram de cerca de 867 mil contos e o passivo exigível cresceu mais de 1 milhão e 160 mil contos, atingindo um total de 2 milhões e 400 mil contos.

Assim foram de imediato convocadas novas eleições e surgiu a possibilidade de uma lista de consenso patrocinada por José Roquete, mas o aparecimento de Sousa Cintra em cima da hora inviabilizou essa solução, pois o homem das águas não abdicou da sua candidatura e apesar de ter tido apenas 6 dias para fazer campanha, esmagou os restantes três concorrentes, vencendo com 63,6% dos votos. O povo voltou a falar e deu a
vitória a um empresário de sucesso que acenou com a sua capacidade financeira para resolver os problemas do Sporting.

Com o Sporting em grandes dificuldades de tesouraria e com as modalidades praticamente mortas, Sousa Cintra usou a sua fortuna pessoal, embora se diga que terá cobrado juros altíssimos, para manter o Clube á tona de água e apostou tudo na construção de uma equipa de futebol ganhadora, mas o Sporting tinha-se atrasado muito em relação aos seus rivais no tempo do famoso "sistema" que manobrava os bastidores do futebol português e assim apesar de ter sido um Presidente dedicado e muito popular, Sousa Cintra foi também um dirigente ingénuo que nunca foi levado a sério pelos "donos da bola" que lhe achavam graça, ao mesmo tempo que se riam das suas desgraças.

Assim, 6 anos depois de ter sido eleito e já muito desgastado pelos seus erros e insucessos no futebol, que já não ganhava nem o Campeonato, nem a Taça de Portugal há 13 anos, Sousa Cintra abdicou e abriu caminho para o regresso das elites ao poder.






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