O ADN croquete e o futuro


O Sporting sempre foi um Clube com muitos grupos e grupinhos, em alguns casos verdadeiras feiras de vaidades, pelo que uma real união entre os Sportinguistas nunca foi coisa fácil, uma situação que se agravou com os sistemáticos maus resultados no Futebol, que na realidade é o motor que faz andar tudo o resto.

Gostava de manter este blogue a salvo dessa discussão dos "croquetes", "brunetes", "sportingados", "leais", claques, bancada central, ricos, pobres, velhos, novos, bons e maus, porque o Sporting é a soma desses todos, mas a verdade é que às vezes não sei se hei-de rir, ou chorar, quando oiço e leio certas tiradas sobre a história e a identidade de um Clube com quase 114 anos de existência, como "o Sporting somos nós", "devolver o Sporting aos Sportinguistas" "o Sporting é nosso e há-de ser" e outras patranhas do género. Por isso e porque agora até nem temos tácticas ou pénaltis para discutir, resolvi recordar um pouco da história deste Clube.

O Sporting Clube de Portugal foi fruto do sonho de um menino rico (na linguagem de hoje um "croquete") que um dia resolveu ir pedir dinheiro ao seu avô (outro "croquete", este com a agravante de ser Visconde e tudo) para fundar um clube que ele imaginou que pudesse vir a ser tão grande como os maiores da Europa, e que assim nasceu em berço de ouro, logo com as melhores instalações desportivas do País.

Poucos anos depois o menino teve outro sonho e resolveu construir um estádio olímpico, sendo que para isso tirou materiais das instalações que tinha criado para o tal Clube que imaginara, o que naturalmente desagradou aos outros sócios e foi então que Mário Pistacchini (um típico "croquete") financiou a construção de um novo campo para o Sporting.

Nessa altura o Sporting era odiado e mal recebido em todos os campos de Lisboa, pois era o Clube dos ricos ("croquetes" aos nossos dias) que o povo detestava em oposição à crescente popularidade do slb, herdada do Sport Lisboa, um clube de Belém que fora o primeiro a derrotar os ingleses do Carcavelos Club até aí invencíveis no futebol que se jogava na Capital do Reino, o que evidentemente entusiasmara a populaça.

Mas o Sporting era realmente o Clube das elites e portanto tinha gente mais qualificada que foi capaz de o tornar na verdadeira locomotiva do desporto português, com destaque para Salazar Carreira que foi o  "Sr. Modalidades". Era médico e um homem viajado (um verdadeiro "croquete") e foi o "pai" do ecletismo do Sporting, trazendo para o Clube e para o País modalidades como o Andebol, o Râguebi e o Voleibol e que um dia até escreveu "Os dez mandamentos do Sportinguista", um manual do “croquetismo”.

Foi nessa altura que Júlio de Araújo (mais um "croquete") percebeu que o Sporting precisava de crescer para fora de Lisboa, sugiram as Filiais e as Delegações, criou-se o Boletim Sporting e alargou-se o limite do número de sócios. Sim havia limitação, porque essa era a altura em que orgulhosamente se dizia que era sócio do Sporting quem podia ("os croquetes") e não quem queria.

Mas Araújo, que era um homem de negócios muito ambicioso, terá percebido a importância de se construir um estádio novo, no entanto acabou por ser acusado de meter a mão na massa quando esse projecto estava ainda em fase de arranque. A coisa acabou mais ou menos abafada à moda dos "croquetes", para não ficar feio. O projecto ficou na gaveta e o seu mentor foi para o Brasil.

O Clube tremeu mas sobreviveu e com o Comandante Joaquim Oliveira Duarte (um verdadeiro exemplar de "croquete") voltou a crescer, até se tornar na maior força desportiva do País, o que naturalmente lhe granjeou uma crescente popularidade que atingiu o seu ponto mais alto nos anos 40/50 do século passado, já sob a liderança de Ribeiro FerreiraGóis Mota e Cazal Ribeiro, figuras ligadas ao regime político da época (ou seja, “croquetes”).

Nessa altura já com mais de 20 mil sócios dos quais muitos não seriam "croquetes", resolveu-se criar o Conselho Geral, que antecedeu o Conselho Leonino, um órgão formado por entre 150 a 250 sócios (os “croquetes”) que tinha como atribuições discutir os assuntos de fundo da vida do Clube e escolher os Presidentes dos seus órgãos sociais. Os restantes sócios serviam para pagar cotas e ir à bola, se pudessem.

Eis que surgem dois problemas: as crescentes obrigações financeiras resultantes da dívida da construção do Estádio José Alvalade, cujos custos derraparam à boa maneira dos "croquetes" e dos cada vez maiores encargos da actividade desportiva e o início da guerra colonial, o que levou Salazar que nunca tinha ligado ao Futebol, a interessar-se por ele como forma de entreter o povo. Futebol, Fátima e Fado, os três efes com que o ditador ia distraindo os portugueses enquanto estes viam os seus filhos a morrer na guerra.

Passou então a interessar ao regime que o clube do povo ganhasse e até o Eusébio que jogava no Sporting de Lourenço Marques acabou desviado do Clube mãe para o rival do outro lado da rua, enquanto os dirigentes do Sporting (os "croquetes") perderam peso e o Clube passou a ser liderado quase em comissões de serviço, geralmente cumpridas por militares (mais “croquetes”).

Perdeu-se a hegemonia e com Brás Medeiros (um "croquete" para não variar) tivemos uma espécie de primavera marcelista, mas o Benfica crescera muito. Foi então que veio o 25 de Abril numa altura em que João Rocha tinha acabado de chegar à presidência do Sporting, tendo como vice um tal de José Roquete (um verdadeiro “croquete”, este com selo Alvalade e tudo) que já pensava em sociedades e acções, mas que com a revolução foi para o Brasil tal como muitos outros "croquetes".

Vivia-se o tempo do povo é quem mais ordena e o Sporting tinha o estigma de ser o Clube dos fascistas (ou "croquetes, se preferirem). João Rocha que era um sagaz homem de negócios, conseguiu fazer crescer o Clube em termos de popularidade, ecletismo e património, mas perdeu muitas batalhas ao ver o Sporting a ser prejudicado em relação ao rival em questões de terrenos e outras relacionadas com a Câmara de Lisboa e os Governos e principalmente no Futebol com a “guerra” com o novo FCP de Pinto da Costa e o famoso “sistema”, que levou a hegemonia futeboleira para o norte.

A democracia só chegou ao Sporting em pleno em 1988, quando órfãos de um João Rocha cansado de ser o farol de um Clube que se estava a atrasar em relação aos rivais, o povo sportinguista foi chamado a escolher um novo líder e elegeu o "bigodes" e as suas “unhas”. Pela primeira vez o Sporting tinha um Presidente que não tinha sido parido pelas elites e não se deu bem com a novidade.

O Portugal democrático, moderno e europeu avançava e Roquete tal como muitos outros “croquetes” já regressara do Brasil para voltar a sonhar com um Sporting empresarial (ao estilo dos "croquetes"), mas Sousa Cintra não deixou e o Clube viveu sem grande sucesso mais 6 anos num fato que não era o seu. Muitos achavam graça e outros até se riam às gargalhadas do careca bem disposto, mas o Sporting continuava sem ganhar, até que em 1995 se deu o regresso às origens elitistas (leia-se "croquetes") com o arranque do Projecto Roquete que foi recebido com muita esperança pelos Sportinguistas cansados e desiludidos com 7 anos de gerência "pupularucha" que confirmaram que o povo não tinha jeito para mandar, muito menos num Clube de "croquetes".

Seguiram-se 18 anos em que o Sporting se modernizou, construiu um Estádio de última geração, uma Academia de excelência, foi a locomotiva das sociedades desportivas e até voltou aos títulos no Futebol, mas o ecletismo foi afogado, os sócios passaram a ser olhados como clientes e o resultado final foi uma dívida gigantesca e o empobrecimento patrimonial do Clube, pelo que a contestação contra "os croquetes" começou a crescer. Faltava paixão e sobravam engenharias financeiras.

Sopraram os ventos de mudança que Bruno de Carvalho soube cavalgar. Ele chegou a ter o apoio de 90% dos Sportinguistas e só os “croquetes” irredutíveis é que nunca suportaram o seu estilo pouco educado e demasiadamente agressivo. Faltou-lhe apenas o sucesso no Futebol e ele não soube conviver com isso e passou-se, ultrapassando todos os limites ao ponto de em poucos meses destruir quase tudo o que de bom tinha feito em 5 anos.

Como é óbvio os Sportinguistas retiraram-lhe o tapete mas ele deixou-nos duas heranças: a boa, que tem como uma espécie de emblema o Pavilhão João Rocha, que é a prova provada de que é possível ter um Clube ambicioso, ecléctico, competitivo e viável financeiramente, sem abdicar da maioria da SAD, e a má, que são as feridas dos seus últimos meses de descontrolo total, que deram no que deram e, principalmente dois grupos ruidosos e agressivos que se recusam a virar a página: as claques que rebentaram de tanto terem inchado de importância e que continuam a olhar só para dentro sem perceberem que não são o Sporting, e os fiéis seguidores do grande líder, gente que vive num puro estado de negação sem perceber que Bruno de Carvalho foi um lindo sonho que se tornou num terrível pesadelo, não só, mas principalmente devido ao seu carácter autocrático e desequilibrado.

E foi assim que chegámos aqui com um Clube que se tornou grande graças às suas "diferenças croquetianas", uma cultura de muitos anos que a maioria dos sócios continua a respeitar, mas que se começa a perder. Um Clube que por outro lado sempre teve dificuldades em conviver com o seu povo, que por sua vez quando teve algum poder espalhou-se ao comprido.

Neste momento há uma espécie de choque de gerações em que os mais novos que nunca viram um Sporting Campeão no Futebol, olham para os mais velhos como um entrave a uma mudança que não se limitam a defender, mas que querem impor da pior forma possível.

É por isso que o futuro é preocupante, pois quando se olha para as novas gerações que não conhecem nem respeitam o passado, mas que sonham com as vitórias prometidas pelo som de uma flauta encantadora, só se vê ódio e promessas de guerra até às últimas consequências a quem se atravessar no seu caminho, sem conseguirem perceber que estão a matar o Clube à medida que ele se vai atrasando em relação aos rivais tradicionais e vendo outros mais pequenos a aproximarem-se.

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