Engenharias financeiras

Não sou especialista nestes assuntos de economia, mas sei perfeitamente que trabalhar com números é uma arte que permite muitas habilidades, pelo que estas coisas das engenharias financeiras dos clubes de futebol deixam-me sempre de pé atrás.

Todos sabemos que o famigerado Projecto Roquete idealizado por gestores altamente qualificados e muito credíveis, empurrou o Sporting para uma dívida assustadora de tal forma que depois da saída de Dias da Cunha o Clube ficou nas mãos dos Bancos, sendo que a partir daí passou a constar que quem escolhia os Presidentes era José Maria Ricciardi.

Filipe Soares Franco foi o primeiro eleito dessa nova linhagem de empregados do BES, tendo por missão a venda do património imobiliário para abater na dívida e a transformação do Sporting num Clube cada vez mais só de futebol, porque o resto significava aumentar os buracos financeiros, mas como apenas tinha duas horas por dia para dedicar aos assuntos do Sporting, assim que consumou o primeiro objectivo saltou fora, isto numa altura em que a contestação da massa adepta começava a subir de tom.

Foi então escolhido José Eduardo Bettencourt, uma espécie de menino bonito da linhagem que dirigia o Sporting desde 1995 e que apareceu como a última esperança na aproximação da elite dirigente à massa associativa, mas o falhanço estrondoso do futebol deu origem a uma crescente revolta, para a qual o credenciado gestor da banca não estava preparado, de tal forma que bateu com a porta e jurou nunca mais aparecer em Alvalade.

Vieram novas eleições e quando já ninguém se queria meter ao barulho, o "melhor" que se pôde arranjar foi Godinho Lopes, e assim pela primeira vez o poder ficou em perigo e só não caiu nas mãos do povo por razões vergonhosamente conhecidas, mas mesmo que o desastre estivesse anunciado, a nova Direcção conseguiu superar todas as expectativas e deixou o Clube à beira da insolvência e da descida de divisão, algo até aí completamente imaginável.

Nesta fase José Filipe de Mello e Castro Guedes surge como o ponto agregador de todas as gerências pós Dias da Cunha e terá sido ele o inventor das célebres VMOC's (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis) que não eram mais do que a sentença que condenava o Sporting a perder a maioria na sua SAD (Sociedade Anónima Desportiva).

Foi contra isso que Bruno de Carvalho combateu desde a primeira hora e foi por isso que eu votei nele mesmo tendo algumas dúvidas em relação à inexperiência da sua equipa na área do futebol e à sustentação financeira do seu projecto, e se no primeiro caso as minhas reservas se confirmaram em grande parte, no segundo "o Presidente sem medo" afrontou a banca e conseguiu adiar para 2026 a conversão em acções das VMOC's, acrescentando aos 55 milhões existentes, mais 80 milhões para tapar as crateras que o credível Godinho Lopes conseguiu abrir em apenas 2 anos.

Com esta engenharia o Sporting passou a precisar de comprar 44 milhões de acções para manter a maioria na SAD, por um valor dependente da cotação das acções na bolsa na altura da compra, mas que nunca poderia exceder 1€ por unidade. Ou seja, até 2026 o Sporting teria de arranjar um valor que provavelmente andaria entre os 30 e os 40 milhões de Euros, tendo criado uma conta reserva para o efeito, e nessa altura os bancos ficariam donos de 91 milhões de acções da SAD, que corresponderiam a 33% do capital social da empresa.

Esta reestruturação financeira trabalhada pela nova Direcção do Sporting foi unanimemente considerada muito vantajosa para o Clube, de tal forma que os rivais a apelidaram de perdão de dívida, pois não era expectável que os bancos se conseguissem desenvencilhar de tamanha quantidade de acções de uma SAD que na altura era cronicamente deficitária, ainda por cima sem terem a possibilidade de oferecerem a maioria do capital social a um potencial investidor.

Cinco anos depois Bruno de Carvalho e Carlos Viera provaram que era possível tornar a SAD rentável e a oito anos de distancia de 2026 o objectivo de manter a maioria parecia perfeitamente exequível, mas eis que ao que parece sai mais um coelho da cartola, pois o Presidente do Sporting acaba de anunciar uma nova reestruturação financeira, na qual pelo que percebi o Clube ficará obrigado a comprar a totalidade das VMOC,s existentes, mas ao preço unitário de 0,30€, ou seja por 40,5 milhões €, sensivelmente o mesmo que teria de pagar em 2026 por 44 milhões de VMOC's, sendo que bastarão 17,5 milhões € para se manter a maioria do capital da SAD, algo que de acordo com o anunciado por Bruno de Carvalho já será possível no inicio da próxima época.

É o chamado milagre das rosas dirão alguns, pois na verdade a banca desfaz-se de acções por um terço do valor que as "comprou" e por menos de metade daquilo que elas valem actualmente, no entanto esse é um valor meramente indicativo, devido à tal improbabilidade de conseguirem vender essas acções, pelo que acaba por ser preferível desfazerem-se de activos que para eles nada valem, recuperando no imediato algum do capital enterrado, o que só podem conseguir negociando com a única entidade que poderá ter interesse nas tais VMOC's: o Sporting.

Enfim ainda pode haver mais alguma coisa para explicar nestas manobras, mas neste momento e a confirmar-se este cenário, é mais um grande negócio para o Sporting com a marca Bruno de Carvalho.



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