Uma solução de consenso

Fala-se muito do estado actual do Sporting e nesta altura José Eduardo Bettencourt é o principal alvo de todas as criticas, no entanto para percebermos o ponto onde estamos, julgo que será necessário recuar muitos anos, aliás talvez seja melhor começar mesmo pelo principio.

O Sporting Clube de Portugal foi fundado pela aristocracia no inicio do Século XX e sempre foi um Clube marcadamente elitista, tendo vivido o seu período áureo numa altura em que grande parte dos seus dirigentes faziam parte da classe dominante, no tempo de Salazar.

Pessoalmente considero que a decadência do Sporting começou com inicio da guerra colonial, quando passou a dar jeito ao regime, ter um Benfica forte para entreter a populaça, era o tempo dos celebres três F (Futebol, Fado e Fátima).

Mas foi com o 25 de Abril e com o ressurgimento do FC Porto, que esse atraso se começou a manifestar de uma forma evidente, com João Rocha a perder sucessivas batalhas com Pinto da Costa, até resolver encerrar aquele que foi o mais longo mandato presidencial da história do Sporting.

Estávamos então em 1986 e a sucessão foi assegurada por Amado de Freitas, um economista de profissão que tinha sido vice-presidente para a área financeira e que era conhecido como um homem sério e de grande rigor, isto numa altura em que Benfica e FC Porto viviam momentos de grande fulgor, enquanto o Sporting se afundava num período cada vez mais cinzento.

Entretanto a Democracia tinha chegado também a Alvalade, e um Clube sem nenhumas tradições democráticas teve finalmente a sua primeira disputa eleitoral verdadeiramente livre, e foi assim que o despachante alfandegário Jorge Gonçalves chegou à Presidência do Sporting, derrotando em eleições extremamente concorridas, o General António Figueiredo que era o candidato da linha tradicional, e o empresário António Simões.

Gonçalves prometera aquilo que os adeptos queriam: grandes jogadores e muitas vitórias, mas o seu mandato nem chegou a durar um ano, porque para além do atraso que tinha em relação aos concorrentes, nas lutas pelo controle do chamado “sistema” que estava então no seu auge, também não contou com o apoio da elite leonina, que nunca aceitou esta viragem para o populismo, até aí desconhecida num Clube que nunca se sentiu à vontade nesta sua nova roupagem.

Preparou-se então a reentrada em cena da aristocracia, José Roquete estava pronto para avançar com um projecto de modernização do Clube, mas não estava disposto a entrar numa disputa eleitoral, muito menos com um novo rico como Sousa Cintra, que acenava com os seus milhões aos sportinguistas, e como o homem das águas não quis sair de cena, Roquete guardou o seu projecto na gaveta.

Cintra era um Presidente muito popular e durante seis anos a linhagem teve de o tolerar, diga-se também que era um homem sem perfil nem preparação para as funções que desempenhou, mas o voluntarismo e o entusiasmo com que se entregou ao Sporting, conquistou a simpatia da generalidade dos sportinguistas, de tal forma que resistiu durante três mandatos, apesar dos contínuos maus resultados do futebol e de muitos outros disparates que fez.

Cansado e desgastado Cintra foi finalmente forçado a dar lugar ao regresso da aristocracia leonina, era o fim do período populista do Sporting, vivido de uma forma tristemente alegre, que não deixava saudades. O Clube regressava às suas origens.

Hoje até pode haver muita gente a dizer que não recebeu com entusiasmo o “Projecto Roquete”, mas sinceramente na altura eu não vi nem ouvi ninguém a manifestar-se contra, e mesmo João Rocha que foi o primeiro a mostrar um certo desagrado, só o fez alguns anos depois.

O Sporting voltava assim finalmente a estar unido, e a vestir o fato e a gravata que sempre fizeram parte da sua cultura e tradição, e todos aceitaram isso com naturalidade e muita esperança no futuro.

Seria exaustivo fazer o balanço dos 15 anos que se seguiram, mas o desgaste da linhagem era inevitável, principalmente quando a equipa de futebol ganha pouco e a situação financeira do Clube e SAD é catastrófica, afinal o projecto falhou em quase todas as suas vertentes, e revelou-se desfasado com as realidades, ou assente em alguns pressupostos errados.

Entrámos então na era das novas tecnologias, que facilitam imenso a comunicação, e a oposição ao “roquetismo” cresceu a olhos visto. O Clube volta a dividir-se, mesmo que do lado do contra esteja apenas uma pequena minoria, que no entanto não descansa, marcando de forma cerrada os homens chave da situação, que vão caindo um a um, sempre que a equipa de futebol perde, derrotas essas que são vitórias para essa estranha geração de novos sportinguistas, que na sua maioria desconhece totalmente a história do Clube que dizem apoiar. Movem-se cada vez mais cegos pelo ódio e querem acima de tudo sangue, não percebendo que um clube dividido nunca será um clube forte, e nem sequer uma derrota nas urnas por uns esmagadores 90/10 o fez parar.

Não faço a mínima ideia de quem será o próximo Presidente do Sporting Clube de Portugal, mas se for alguém da linhagem, mesmo que seja o desejado Rogério Alves, dificilmente deixará de ter o mesmo destino do que os seus antecessores, pois a equipa de futebol não tem qualidade para desatar a ganhar campeonatos de repente, que será a única forma de acalmar a oposição, de tal forma que mesmo que Alves avance e apresente ideias inovadoras e magnificas, não acredito no seu sucesso, pois aprendi com a questão do Paulo Bento forever, que não há condições para governar neste clima de constante guerrilha, e Rogério Alves será sempre visto como um homem da continuidade, logo um alvo a abater.

Eu também acreditava que o melhor para o Sporting era a continuidade do actual Seleccionador Nacional no comando da equipa de futebol, e no plano teórico era sem dúvida. O que ele fez em Alvalade enquanto lá esteve foram verdadeiros milagres, mas na verdade esqueci-me que ele já estava marcado, e que havia um grupo de sportinguistas que não descansariam enquanto não o derrubassem, e foram eles que destruíram um árduo trabalho de três anos e meio, pelo que compreendo que Paulo Bento tenha batido com a porta afirmando que foi um erro ficar aqueles últimos meses. Foi sem dúvida, ele não precisava de se ter sujeitado a aturar aqueles rapazolas mais tempo.

Quem vier agora do lado da situação terá o mesmo destino de Bettencourt, com a agravante de não ter seguramente uma legitimidade conferida por 90% dos votos, só mesmo se for por espírito de missão, ou masoquismo, mas esse não será o melhor caminho.

Quanto à oposição pura e dura, que clama por uma auditoria, mostrando maior preocupação em encontrar culpados, do que soluções, bom se conseguirem chegar ao poder devem preparar-se para encontrar uma situação muito complicada em todos os vectores da vida do Clube, e para sentirem muitos tapetes a fugirem-lhes debaixo dos pés como aconteceu a Jorge Gonçalves. De qualquer forma pelo menos para já não vejo a mínima hipótese da ala extremista conseguir ganhar estas eleições, pelo menos se não perceberem que quem vota são os sócios, quanto muito podem chegar aos 20 ou 30%, isto se não aparecer uma candidatura de consenso a roubar votos dos dois lados.

De resto essa é a única hipótese de pacificar e unir o Sporting, porque um clube dividido como está actualmente o nosso, nunca vai conseguir entrar nos eixos, e são essas eternas lutas intestinas que tem minado o edifício leonino por dentro, de tal forma que os nossos adversários já nem se precisam de se preocupar connosco.

O mais difícil vai ser encontrarmos um líder capaz de amansar uns e encostar os outros, sem se queimar pelo caminho, ainda por cima na situação actual do Clube, mas uma solução de consenso é a única que poderá ter pernas para andar, o resto vai ser para afundar, mais depressa ou mais devagar, mas é para o fundo que vamos, alegremente a brigar uns com os outros.

Comentários