As claques

As claques são um fenómeno relativamente recente no futebol português, e na verdade trouxeram cor e alegria às nossas bancadas, que sempre pecaram por alguma passividade, sendo usual dizer-se que em Portugal são as equipas que tem de puxar pelo público e não ao contrário.

No entanto aquilo que deveriam ser grupos de jovens dedicados e sempre prontos a apoiar os seus clubes, transformaram-se em violentos gangs de malfeitores, onde se junta o pior que há na nossa sociedade, para com a protecção das Direcções dos clubes, e complacência das autoridades, espalharem o terror por onde passam, até chegarem ás bancadas onde frequentemente também se notabilizam pelas piores razões.

Eu sou do tempo em que ainda se podia ir ao futebol a qualquer lado sem medo. No período em que vivi em Lisboa, fui várias vezes ao Estádio da Luz, quase sempre sozinho. Lembro-me por exemplo daquele jogo da penúltima jornada do Campeonato de 1985/86, em que o Sporting ganhou lá por 2-1, roubando o titulo ao Benfica. O Sporting já não ganhava na Luz há mais de 20 anos e poucas semanas antes tinha levado lá 5-0 para a Taça (também fui nesse dia), pelo que eram poucos os sportinguistas presentes. Comprei o bilhete na hora do jogo nas bilheteiras do Estádio que não estava cheio, e fui para as bancadas numa zona onde não vi um único sportinguista, e foi lá que festejei exuberantemente os dois golos do Sporting, e que sofri até ao fim o massacre que foi a segunda parte. Ninguém me disse nada, ninguém me bateu e no fim sai de lá com um sorriso de orelha a orelha, a contrastar com a molha que tinha levado algumas semanas antes.

Vinte anos depois voltei à Luz para assistir a um derby, desta feita arranjei um bilhete para a zona reservada aos sportinguistas, mas depressa percebi que já nada era como dantes. Entrei 45 minutos antes do começo do jogo e dali a pouco "limparam" daquela zona a meia-dúzia de benfiquistas que lá estavam, e cercaram tudo de guardas a que chamam "stwards" ou lá como é, para logo a seguir entrarem as claques do Sporting, no meio de gritos, insultos, gestos obscenos e outros grunhidos, abundantemente assobiadas pelo resto do estádio.

Depois concentrei-me no jogo, acho que nunca sofri tanto na minha vida de espectador de futebol, o Sporting jogou sempre no fio da navalha, percebia-se que o golo fatal poderia acontecer a qualquer altura, mesmo que o Benfica não estivesse a criar grande perigo, nesse período nem vi o que se passava à minha volta.

Foi então que o tal golo apareceu no meio dos protestos que de nada serviram como é evidente, e a claque tal como a equipa ficou sem reacção, até que o árbitro deu por terminado aquele suplicio. Devo ter sido o único que se levantou logo para sair, mas esbarrei com um cordão de policias de choque que nos fecharam naquele cantinho do estádio durante cerca de duas horas, como se fossemos animais numa jaula, e realmente tenho que reconhecer que o comportamento de alguns daqueles rapazes é pouco normal. Voltei às bancadas e sentei-me calmamente à espera da hora para sair, enquanto à minha volta crescia o cheiro às ganzas com que aquela malta tentava apagar a dor da derrota, e que talvez expliquem em parte as figuras tristes que aqueles rapazes fazem.

Quando finalmente abriram a jaula deparei-me com uma nova surpresa, pois ainda não estava livre para ir para onde quisesse, a manada foi conduzida pela 2ª circular convenientemente fechada ao transito, até ao Estádio de Alvalade, uma caminhada onde se voltaram a ouvir os cânticos e insultos em resposta aos acenos com que os adeptos rivais que nos brindavam das janelas dos prédios circundantes. Já passava da meia-noite quando a marcha terminou e cada um de nós pode então ir à sua vida.

Foi nisto que as claques transformaram o futebol, numa guerra estúpida que afasta as pessoas normais das bancadas, e que dirigentes e autoridade continuam a permitir, não actuando convenientemente numa altura em que os novos estádios possuem sofisticados sistemas de videovigilância, que deveriam servir para identificar e punir severamente esses animais e libertar o futebol deles, devolvendo-o aos adeptos normais.

Já sei que a gente das claques diz e com alguma razão que são eles que vão a todas e que estão sempre com a equipa seja lá onde for, mas isso não pode nem deve servir de justificação para comportamentos perigoso,s que põe em causa a segurança das pessoas e que atá já causaram mortes.

No dia em que houver coragem para afrontar estes rapazes, fazendo-os perceber que não podem fazer tudo o que querem a coberto das bandeiras que agitam, e se começar a puni-los severamente julgo que será possível estropiar os cancros que se escondem no meio dessas multidões e então ficaremos a saber se eles são capazes de sobreviver no meio da normalidade o que não significa que se transformem em grupos de seminaristas, até lá nunca vão passar de grupos de delinquentes que só fazem mal ao jogo como ainda no sábado passado se viu em Alcochete

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